Júri

26/10/2012 11:38

Júri

(Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves)

Há pouco tempo fui a um dos Plenários do Júri no Fórum da Barra Funda. Sou convocado a jurado em São Paulo desde 2009. Como já ocorrera antes, por quaisquer motivos, não houve julgamento. Desta vez a razão era triste: o réu morreu.

Noutras tantas vezes, fui sorteado para fazer parte do Conselho de Sentença, mas sempre recusado pelo Promotor de Justiça. Ao saber da minha “condição de Advogado”, não me recebia com bons olhos. Normal, pois a “justiça”, para ele, devia ser a condenação do réu e um Advogado poderia atrapalhar seus planos. Talvez eu já devesse ter mesmo pedido minha dispensa destas convocações, afinal de contas, para que um técnico do Direito num Conselho de Sentença? Julgamento racional, quem quer isso?

O servidor do Fórum veio comunicar aos jurados: “senhores, vou liberar vocês, pois acabamos de saber que o réu faleceu hoje mesmo. Vocês assinam a presença e estarão liberados”. Pois bem, fomos todos para a fila, íamos assinar a lista que comprovaria termos cumprido com nossa obrigação de comparecimento ao Plenário. E foi aí que começaram os comentários e conversas entre os enfileirados. Permaneço na escuta, assim como mais uns cinco ou seis, e ouço: "vi um condenado saindo daqui e passou do meu lado sem algemas! Ouvi dizer que eles ficam presos ‘rapidinho’ e depois saem", disse uma mulher revoltada com uma última situação que presenciara. Um jovem senhor (de uns quarenta anos) arremata: “como me disseram: isso aqui é como uma baderna, como se fosse balada, farra pura, onde tudo acontece”.

E aquele mesmo servidor, quebrando a conversa paralela, ressaltou que o réu havia morrido há poucos minutos. “Mas morreu ‘morrendo’ ou morreu fazendo ‘outra’ bobagem?", questionou aquele mesmo jovem senhor de prováveis quarenta anos, agora com um sorriso de deboche na expressão, assim como aqueles que participavam daquele papo.

Pois é, paciência tem mesmo limite. Pensa-se em tudo: na ilegitimidade do Júri; na grande influência que a mídia (de mercado) possui na mentalidade dos cidadãos; na ignorância destes mesmos cidadãos; no motivo de ter aquele Promotor me recusado tantas vezes etc.

Impressiona a visão que as pessoas realmente possuem de um réu. É como se houvesse uma distância abismal entre aquele “tipo de ser” e “nós, do outro lado, da normalidade”. Efetivamente as culturas (ou subculturas, em alguns casos), os costumes e a vida podem ser diferentes. Mas a imaginação subjetiva vai muito além destas realidades objetivas.

E o problema é que se tem o réu como o extremo oposto da santidade, uma visão lombrosiana de delinquente.  O “estar sem algemas” parece querer significar “veja, que perigo, um monstro solto”. O “deve ter feito outra bobagem” já condenaria o então réu no processo que o aguardava naquela tarde: são estas as pessoas que poderiam fazer parte do Conselho de Sentença. Será que é esta a “justiça” que quer aquele Promotor? Espero que não. Será que é este o tipo de julgamento parcial que queremos para nós mesmos? Certamente que não.

Mas, então, o que fazemos com o Júri? Nada, está petrificado no art. 5º da Constituição. Não há, portanto, como se falar em inconstitucionalidade do mesmo. Só um poder constituinte originário poderia extirpá-lo do ordenamento, o que é quase utópico.

E é daí que surgem outros clássicos questionamentos: uma Ciência Social Aplicada como o Direito pode ter um núcleo intangível? Isso não descaracteriza a própria essência de uma “Ciência Social”? Numa sociedade absolutamente contaminada pelo sensacionalismo midiático punitivista, pode-se falar em “julgamento imparcial” num Júri?  Permanecem as dúvidas e, enquanto isso, o Júri também.

E eu, ainda inocente esperançoso, não vou pedir dispensa alguma.

 

 

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